terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Downhill

A Natureza fez mais uma das suas e nós mostrámos mais uma vez a nossa natural vulnerabilidade. Sou da opinião que jamais iremos ser, por mais avançados tecnologicamente  ou "ambientalmente bem integrados" que estejamos, totalmente à prova de catástrofes naturais. Poderíamos ter apostado ainda mais, por exemplo, na investigação de meios para a previsão destes fenómenos, e assim minimizar a perda de vidas humanas. Poderíamos ter apostado ainda mais numa utilização ambientalmente inteligente do espaço que necessitamos para viver e assim evitar também a perda de vidas humanas. Poderíamos ter feito uma série de coisas que iriam minimizar significativamente a morte de seres humanos provocada por fenómenos naturais. Preferimos fazer outras como criar armas para nos defendermos de outros homens que nos fazem sentir ameaçados porque são diferentes. Ou ignorar a topografia escolhida pela Natureza para poder ganhar dinheiro com o mercado imobiliário. Mas mesmo que  não se tivessem cometido estes erros, tudo aquilo que se faça  relativamente aos efeitos de uma catástrofe natural, não passa de minimizar. Não podemos fazer mais que isso. Depois é aceitar que, de facto, às mãos da Natureza somos vulneráveis, não somos mais importantes que qualquer outro ser. Morremos num terramoto tal como morrem outros animais. Somos levados numa enxurrada como qualquer outro animal - claro que estas hipóteses aumentam se construirmos casas num canal. Portanto é natural. É assim e só temos que aceitar.
Claro que também podíamos fazer um esforço para alterar o sentido deste movimento evolutivo que nos afasta do planeta e de ser intrínsecos com ele.

O Homem sente-se hoje em dia como que tivesse sido depositado na Terra, está alienado dela e procura adaptar-se, mas pelos meios errados. Ou tenta fazê-lo partindo dos pressupostos errados. Não será a própria ideia de adaptação que é errada? Como é que nos adaptamos a algo que sempre fez parte de nós?

Imagine-se um homem que passou toda a sua vida sentado em cima das suas mãos. Quando um dia lhe tiram as mãos debaixo do traseiro ele olha para elas como se fossem um corpo estranho agarrado aos seus braços. Estão dormentes porque foram pouco irrigadas e o cérebro não consegue lá fazer chegar os impulsos eléctricos para estimular os músculos e delas também não saem quaisquer informações dadas pelos sentidos. Os canais de comunicação estão obstruídos e estrangulados e o homem sente algum desconforto porque por um lado o controle que tem sobre as mãos é reduzido e por outro não consegue entender o que é que as mãos sentem... não consegue distinguir o calor do frio, nem a dôr do alívio. Nesta minha perspectiva da realidade, é assim que entendo a actual interacção homem/ambiente.  A analogia foi um pouco rebuscada, admito, mas não me lembrei de melhor.
Se queremos que esta simbiose resulte temos que irrigar as mãos com sangue, articulá-las com o nosso pensamento, interpretar o que o seu (nosso) tacto nos diz e usá-las de uma forma que nos ajudem nas nossas necessidades sem que punhamos em causa a sua integridade e zelando pelo seu bem-estar.

Continuando a analogia, parece-me que a Humanidade está neste momento a olhar para as mãos dormentes como se fossem um membro estranho ao seu corpo. Observa-as já com queimaduras fruto da sobre-exposição ao frio e ao calor. Estão queimadas porque o cérebro não soube e não quis interpretar os sinais dados pelo tacto. Quer tratá-las mas não sabe como e além disso, o cérebro tem prioridades e o estado de saúde das mãos não é uma delas. Como se a gangrena que lhe ameaça as mãos não se disseminasse ao resto dos orgãos. Como se as mãos não fizessem parte do seu corpo.

A enxurrada na Madeira, tivesse havido menos incúria por parte dos responsáveis pelo ordenamento urbanístico, teria levado menos vidas. É isso que devemos lamentar.
Quanto à tragédia, não me diz nada. Nem sequer acho que o adjectivo seja o correcto para se descrever o que aconteceu. Tragédia para mim é a morte do homem pelas mãos do homem, é haver famílias que ficam sem ganha-pão para que o dono da fábrica consiga mais lucro. Tragédia é a morte de crianças à fome quando há comida que apodrece em armazéns. Estas tragédias acontecem diariamente e ninguém se choca com isso. No entanto ficamos chocados porque quando chove, naturalmente, muito, vemos as barreiras que construimos a serem, naturalmente, derrubadas.
Na Madeira não aconteceu qualquer tragédia no dia 20. Aconteceu uma catástrofe natural cujas consequências foram exponenciadas pela falta de respeito pelo meio-ambiente e pela ganância do ganho proveniente da construção e do mercado imobiliário. Em última instância, somos todos responsáveis pelas mortes na Madeira porque todos permitimos que as faltas de respeito e a ganância continuem.

Esta catástrofe também veio provar algo que todos já sabíamos: Nas situações-limite o ser-humano consegue mostrar o seu melhor lado. As manifestações de solidariedade sucedem-se uma após a outra e as ajudas brotam como cogumelos. É preciso que a malta se assuste para se unir.
Vi várias imagens que eram assustadoras pela forma como mostravam o poder da Natureza, mas o que mais me impressionou foi ver o Sr. Alberto J. Jardim aparentemente sóbrio, num espaço público fechado, sem o seu charuto (naquela sua pose nojenta e arrogante de quem faz o que quer, porque está, de facto, acima da lei). Foi precisa uma catástrofe para que se vislumbrasse nesse ogre ditador qualquer coisa que se assemelhasse a um homem governante.

1 comentário:

NOVA ESQUERDA - Movimento para uma Nova Sociedade disse...

Tomamos a liberdade de roubar este texto.
http://movimentonovaesquerda.blogspot.com/2010/05/tudo-isto-e-muito-menos.html

 
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