sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Prioridades e extravagâncias

Não suporto o discurso "O português é que é mau e preguiçoso e trafulha, trabalha mal e é desorganizado e negligente, descuidado e sempre a precisar de supervisão, sempre descontente com o que tem, oportunista e insubordinado, calão" e etc e tal... you get my drift... Tenho ouvido esta ideia mais vezes do que seria aconselhável e não gosto dela. Não gosto por duas razões:
1ª - Não é verdade - é só uma desculpa fácil, uma maneira de sacudir a água do capote. Quem usa este discurso gosta de se fazer passar por cidadão exemplar imaculado mas é no fundo um potencial e ansioso membro do "grupo" que critica;
2ª - É uma ideia redutora e demonstra cobardia e fraqueza - é muito mais fácil apontar o dedo e pedir responsabilidades ao mais fraco ou ao nosso par.
É injusto que me peçam agora responsabilidades e me apontem o dedo acusando-me de um "crime que não cometi" e obrigando-me a pagar por isso, como fazem os cobardes que não têm a coragem de confrontar os verdadeiros responsáveis porque estes são mais fortes. Mas entristece-me profundamente ver esta triste e reles característica reflectida naqueles que vivem e sentem na pele, tal como eu, estes "tempos de mudança". Acho mesmo que esta ideia é uma forma de manipular a massa e quem a defende está bem intoxicado. É muito melhor que estejamos ocupados a debater pormenores do que a ver o quadro todo.
Tenho a certeza que há muitas e variadas situações de grandes desigualdades ou de regalias excessivas pagas pelo contribuinte e é imprescindível que sejam reguladas. A seu tempo. Não é prioritário. É prioritário sim evitar que o ministro que promove a venda da empresa pública ao grupo económico privado venha anos mais tarde a fazer parte do conselho de administração de uma das empresas desse grupo, por exemplo. Esta promiscuidade sai-nos bastante mais cara a curto, médio e longo prazo do que benefícios "extravagantes" dados em tempos ao trabalhador "comum" de um determinado sector da indústria. Volto a dizer que se deve tirar a "extravagância" ao benefício, e que as situações desiguais devem ser equilibradas. Mas há que destrinçar o grau de importância de cada um dos males e acabar com o mal maior primeiro e depois então curarmos o mal menor. E muito francamente prefiro, neste momento, pagar 1 euro que seja pelo (ainda concedido) "benefício extravagante de uma centena de trabalhadores" do que dar 10 cêntimos (ad eternum) para tapar o buraco deixado por um único ministro.
Não nos desviem a atenção do problema principal com derivados de pequena escala desse mesmo problema.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

...E depois ainda se queixam...

Antes de o considerar um humorista considero-o um pensador. Quem? Bill Hicks. Já não está entre nós, infelizmente. Lembro-me diversas vezes das suas palavras sobre aqueles que se vendem à publicidade. Dizia que também ele tinha recebido convites para fazer publicidade mas, aceitando, seria um vendido e as suas palavras deixariam de fazer sentido. Seriam ocas, vazias, sem significado e podres. Já não se fazem gajos assim.
Hoje vi uma entrevista a um músico cá da praça, Boss AC, onde promovia o seu novo álbum. Até aqui tudo bem... o rapaz faz música, precisa vendê-la e vem à televisão dar a conhecer à malta o novo trabalho que até tem uma música que entra no ouvido, com uma letra engraçada - "é sexta-feira / suei a semana inteira / no bolso não trago um tostão / alguém me arranje um emprego bom". Estava a achar alguma piada à conversa até à altura em que o entrevistador pergunta ao seu convidado se este voltaria a produzir a música de campanha do Cavaco Silva. E foi aqui que mais uma vez lembrei as palavras de Bill Hicks. No entanto este rapaz, que se destacou no mundo da música num género que é socialmente interventivo, conseguiu ir mais longe que se vender à publicidade. Vendeu-se à política. Se é o único? Não. Mas não se pode comparar a Dina e o Quim Barreiros ao Boss AC. Não é pelo mérito ou qualidade de cada um dos 3 artistas, mas pelos públicos-alvo que cada um destes 3 artistas pretende atingir. Voltando à entrevista, a coisa fica ainda melhor quando o Boss AC se tenta safar daquela pergunta feita em tom de provocação. Então não é que o rapaz nesse ano, não só produziu a música da campanha do Cavaco como também a da campanha do Jorge Sampaio?! Diz ele que é a prova de que não apoiou nenhum dos dois. Pois eu acho que alguma convicção política até era uma boa desculpa. Eu, pelo menos, respeita-lo-ia mais. Assim não passa de uma rameira.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Soberano ma non troppo

Não gosto de Entidades Reguladoras em geral e de Entidades Reguladoras de serviços do estado em particular. A sua existência é já demonstrativa da podridão em que (sobre)vivemos.
Mas a ideia de "Entidade Reguladora" surge na minha cabeça sempre que ouço comentários sobre a troika e a austeridade. Acho que para a maioria dos portugueses o FMI e a troika são como que Entidades Reguladoras - vieram para nos regularem, ou regularizarem, as contas. São pessoas ponderadas, que sabem gerir as suas casas, poupados, organizados e felizmente cheios de dinheiro para "ajudarem" aqueles que, como nós, não souberam controlar os seus gastos e criaram dívidas em cima de dívidas. São assim um tipo de fadas do lar mas da economia, cheias de sabedoria e de conselhos. Como fadas que são, não ajudam sem uma contrapartida, uma condição. Estas só querem que os seus conselhos sejam seguidos à risca. Caso contrário não ajudam, e sem ajuda vem a catástrofe. Dizem elas...
Isto até seria bonito se fosse verdade - se fosse verdade que o FMI agiria como entidade reguladora em vez de agir como um banco privado (que é!) e se as fadas que nos enviam viessem para ajudar e não para estrangular.

Se houvesse de facto uma entidade internacional que quisesse regular, verificar e, havendo necessidade, corrigir as contas de um país, essa entidade iria procurar formas de não só corrigir mas também de evitar que mais tarde se voltassem a criar condições para a necessidade de uma nova correcção. 

São cada vez mais do conhecimento comum as jogadas financeiras mafiosas que custam ao erário público milhares de milhões, os bandidos responsáveis passeiam-se entre nós, muitos até nos (des)governam ainda e nada se pode fazer quanto isso. Nada se quer fazer quanto a isso. Sentimos na pele o resultado de más políticas, aplicadas por políticos que se regem por agendas secretas e continuamos a elegê-los como prémio pelos (maus) serviços prestados. Quero com isto de dizer que temos, para além da apatia, a impunidade de mão dada com a democracia o que não me parece lá muito democrático. Vejam-se dois exemplos:
- Sr. Cavaco Silva.
Em 2011, enquanto presidente da república, o Sr. Cavaco Silva apela a todo um país que está na hora de voltarmos ao mar.
Na primeira metade da década de 90 do século passado, o governo do Sr. Cavaco Silva estimulou o abate de grande parte da frota pesqueira portuguesa.
- Sr. A. J. Jardim.
Em 2012 as altas esferas europeias dão a Madeira como "O" exemplo de má gestão dos dinheiros comunitários. Na Madeira desde 1978 até esta data, and counting, com quase trinta e cinco anos de governação, o Sr. A. J. Jardim continua a desafiar tudo e todos como se de um rufia se tratasse. É de lembrar que as contas que estavam escondidas causaram um efeito directo no contribuinte assim que foram descobertas.

Estes dois exemplos demonstram bem o quanto é permitido a pessoas que se demonstram claramente, e para ser simpático, inaptas para um cargo, sigam um percurso de governante como uma carreira profissional com a vantagem de não lhes ser possível imputar qualquer erro que os proíba sequer de "seguir essa carreira". Se se vê num político alguém com uma visão ou com uma perspectiva global e mais abrangente das realidades e tendências políticas, económicas e sociais, se esse político toma decisões que prejudicam o estado e o contribuinte, faz promessas que mais tarde não cumpre, então esse político deve ser automaticamente afastado e chamado à responsabilidade. O eleitor faz a sua escolha com base na tal visão abrangente e global e nos caminhos que um determinado candidato vê, segundo as suas ideologias políticas. Se pensarmos na característica comum a todos os discursos dos últimos primeiros ministros semanas após a tomada de posse - «não esperávamos encontrar as contas públicas no estado em que estão» - facilmente chegamos à conclusão que, afinal de contas, o candidato escolhido carece de visão abrangente e global e é tão ignorante nessa matéria quanto o eleitor.
Quando chegamos ao campo da trafulhice, da má gestão, do uso indevido de dinheiros públicos, do compadrio, do favorecimento e do roubo, então o número de exemplos cresce exponencialmente e em apenas 2 segundos conseguimos trazer à memória pelo menos 3 casos e os nomes de meia dúzia de bandidos, tal é a diversidade de criminosos que encontram neste pardieiro as condições ideais para as suas tão nobres actividades.

Se existisse uma entidade internacional que quisesse criar riqueza económica e qualidade de vida num dado país, essa entidade, ao invés de obrigar um povo a pagar as dívidas consequentes dos crimes económicos cometidos por políticos de má fé, iria ajudar o estado a desenvolver mecanismos que evitassem o aparecimento e proliferação desses políticos e dos seus amigos que de facto lesam a economia de um país. Iria dar voz a um povo amordaçado (e já inerte, como é o nosso caso) e não ser cúmplice daquele que aperta a mordaça.
Essa entidade internacional, tal como as fadas, só existiria numa terra encantada. Aqui no planeta é impossível. Aqui no planeta temos um FMI que lucra com o aparecimento (e reaparecimento) de bandidos engravatados, com os buracos por eles deixados e ainda negoceia com esses mesmos bandidos.

Vivemos numa falsa democracia onde nos convencem que o povo é soberano. Não é nem pode ser. A soberania de um povo está ainda limitada pelos interesses particulares daqueles que o governam. Ainda...

 
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